Quando criamos e
educamos crianças pequenas, cada frase ou gesto deixam marcas que podem ser
reconfortantes e estimulantes para seu desenvolvimento emocional – ou produzir
exactamente o efeito contrário.
As crianças
entendem-nos, mesmo que ainda não possam falar. Percebem tudo ao seu redor e
muitas vezes apropriam-se das frases dos adultos que, quando repetidas com
frequência, tornam-se verdades absolutas difíceis de modificar.
As próprias crianças
transformam-se no que ouvem.
Durante a minha
infância/adolescência e ainda um pouco na fase adulta ouvi do meu ciclo social
frases do género: "Tens cá um feitiozinho"; "És mesmo mau feitio";
"És teimosa"; "És mesmo torta"; "És mesmo
venenosa"; "Isso é tudo muito giro mas não consegues
fazer"...
Depois na adolescência decidi ir estudar a área do ambiente por
via profissionalizante, pois era algo que me apaixonava e aí ouvi coisas do tipo:
"Só vai para o ensino profissional quem não tem inteligência para seguir o
secundário"; "Essa área não serve para nada, vais fazer o quê? limpar
esgotos"...E quando partilhava os meus sonhos e perspectivas de
futuro diziam-me "És muito sonhadora, não vives neste mundo. A realidade é
muito diferente".
Resumindo, passei
muitos anos da minha vida a acreditar que tinha mau feitio, quando na realidade
era muito submissa e deixava os outros levarem sempre a deles a avante,
prejudicava-me a mim mesma em prol dos outros para tentar mostrar que não era
"venenosa", estudei, marrei, decorei, fiz tudo por uma linha para ser
bem sucedida na escola pois como "tinha menos inteligência tinha que me esforçar mais”, deixei de acreditar que podia realizar os meus
sonhos porque sempre me ensinaram que a realidade era outra...!
Fui sujeita a muitos
rótulos como a maioria de nós somos e ainda hoje transporto alguns nas costas. Mas
finalmente comecei a acordar para a vida.
Quando fui mãe, dei
á luz o maior mestre que algum dia podia sonhar em ter!
O meu filho abriu-me os olhos,
fez-me ter consciência dos rótulos que carregava e ainda carrego e ensinou-me a
ser mais confiante, a acreditar em mim, nas minhas decisões, nos meus sonhos,
nas minhas vontades e acima de tudo, na minha personalidade...sim, porque eu
não tenho mau feitio eu tenho o meu feitio, eu não sou esquisita, apenas tenho
as minhas opiniões, eu não sou menos inteligente, eu sou tão inteligente como
todos nós somos apenas com interesses diferentes...como costumo dizer na brincadeira: "Eu não sou maluca, a minha realidade é que é diferente da vossa"...por isso acho que é
fundamental que os pais, familiares e professores tenham consciência das frases
que dizem com frequência, frases estas que julgam e prevêem como é ou
será uma criança, já que ela as escuta e pode assumi-las como verdadeiras.
Também é muito
importante romper com crenças e mitos que definem uma criança por uma única
característica, como “ela é inquieta, teimosa, distraída,
reguila, inteligente”, etc.
As crianças são
muito mais que uma frase proferida num momento de tensão, valem muito mais do que
uma única qualidade ou defeito. Como se não bastasse, temos o hábito de colocar
apelidos, rótulos ou associar características a algum membro específico da
família.
Qual é o risco de
que essa prática se transforme numa “verdade” para toda a família? Os rótulos adquiridos em casa podem chegar
à escola. O processo pode começar com frases ingénuas, como "isso é típico
de filha mais nova", ou "és distraído e desajeitado"
(referindo-se a uma criança pequena), no entanto, se a pessoa que pronuncia
essas frases é alguém significativo na vida da criança, muitos problemas podem
surgir.
Outras frases que
podem "condenar" uma criança são:
- "Ele nunca
percebe nada, parece parvinho".
- "Ele é filho
único, por isso é que é tão mimado".
- "Ele é o
filho do meio, por isso é o que mais sofre".
Nenhuma criança é
igual à outra e portanto, cada uma sofre à sua maneira. É muito importante
perceber a sua dor e o sofrimento por ter sido rotulada.
Se rotularmos os
nossos filhos, nós estamos a condená-los a serem vistos dessa forma pelos
outros tornando o seu futuro mais difícil do que desejamos para eles.
O importante é que
cada criança possa conhecer as suas potencialidades e dificuldades, e passar da
impossibilidade à possibilidade e do mal-estar ao bem-estar.
Naturopata Vera Belchior (N.D.)
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